A tropa é reunida no Ipiranga, numa travessa da avenida Nazareth, e Clemente lembra que ninguém tomou café da manhã. Além disso, precisam comprar os sacos para a ação. Henrique diz que as duas outras equipes de ação estão prontas num quarteirão abaixo do grupo. Clemente insiste em tomar o café com a tropa que vai invadir a fábrica e pede para Henrique marcar novo ponto com as tropas de segurança imediata e a estratégica. Lá vai Henrique, que volta logo.
— Falei com o Castro e com o Rei para darem uma volta e nos esperarem no largo perto da fábrica.
Clemente, um maníaco por segurança, orienta Henrique e obriga a dar um monte de voltas e acabam na Aclimação.
— Esse é chato com caminhos. Nunca está bom ou perto o suficiente. Ou está perto demais para ele – Uns e Outros comenta isso com seu forte sotaque de carioca da zona norte.
Todos tomam o típico café da manhã de paulista numa padaria, a famosa padoca como chamam carinhosamente os paulistanos. A receita é simples, mas característica de São Paulo capital. Um pingado, que nada mais é do que um copo de leite e um pouco de café (daí o nome pingado), um pão francês com manteiga derretida numa chapa, que faz esse pão com manteiga, mas faz também bife, frita queijo, bacon, ovo, linguiça e tudo o que o freguês pedir. Ou seja, a chapa tem algo parecido com o sabor universal delicioso.
O companheiro Uns e Outros senta no banco de trás do fusca ao lado do jovem Teobaldo, enquanto Henrique toma a direção do carro de combate e ao seu lado senta Clemente, que ainda está estalando os beiços saboreando o café com pão e manteiga. Excelente motorista e profundo conhecedor das ruas e atalhos de São Paulo, Henrique chega rapidamente à transversal da avenida Presidente Wilson. Olha atentamente as redondezas, dá um rápido e discreto sinal de luz para os dois carros da cobertura, que aguardam, e puxa a fila do comboio rumo ao objetivo.
A guerrilha vai tomar a fábrica da Mangels, metalúrgica alemã, acusada de colaboracionista do nazismo e instalada no Brasil há bastante tempo. Os trabalhadores reclamam de baixos salários e outras coisas próprias do milagre brasileiro, que não distribui a enorme riqueza produzida e superexplora a classe trabalhadora. Não é uma fábrica qualquer, pois está situada na frente de uma garagem da polícia civil e a cinquenta metros do quartel de uma companhia do exército brasileiro. É importante a tomada dessa fábrica, mas é uma ação de grande risco e muito ousada para o momento de guerra aberta que vive a guerrilha urbana.
— Quase trabalhei aí. Só não consegui porque os alemães levantaram minha ficha e descobriram que eu era do sindicato de São Bernardo. Esses fascistas não gostam de trabalhador consciente e organizado – Henrique, torneiro mecânico orgulhoso de sua classe e de sua militância sindical, diz isso e todos ficam em silêncio, aguardando as ordens do comandante.
— Na saída da ação, vamos usar sirenes para facilitar nossa fuga. Não se assustem, portanto.
Todos ficam surpresos com essa notícia e curiosos para saber que história é essa. Ninguém desconfia de nada que parta dele, mas sempre tem uma surpresa com suas iniciativas criativas, que se destaca como um gênio militar da precária guerrilha.
— Eu comprei num leilão que eles fizeram quando trocaram essas sirenes pelos alarmes, que tocam direto dentro das delegacias. Capitalismo é assim, vende a corda com que vai ser enforcado, como dizia o Lênin.
— E funciona bem – diz Clemente, o único que já sabia da novidade.
Todos riem com a novidade e com a possibilidade de uso de sirenes nas ações armadas ou para fugir do cerco da repressão. Uns e Outros fala de como será engraçado se cruzarem com o inimigo na fuga. Mais risadas.
O comandante passa sua inseparável pistola 45 para Teobaldo, pois se preocupa com a segurança do jovem guerrilheiro e quer que ele a use como reforço no combate. Segundo ele, Teobaldo deve ficar atento com o início do combate que, quase com certeza, deverá acontecer. Ele e Uns e Outros não portam armas longas, pois sua tarefa é fazer a segurança imediata da invasão à fábrica, no início da ação, e desarmar os guardas da segurança da fábrica. Se começar o fogo aberto, eles devem buscar as armas longas escondidas atrás do banco, no fundo do carro. Uns e Outros usará sua metralhadora INA 45 e Teobaldo o fuzil operacional mauser de coronha e cano cortados, que dá um soco violento ao disparar, mas que não é problema para os punhos duros e mãos firmes do jovem.
Henrique dá o sinal aos dois carros da segurança para posicionamento discreto e todos observam o movimento na porta da fábrica. É o dia de pagamento.
Os trabalhadores se aglomeram na porta de entrada e saída dos caminhões, aguardando o som da sirene, na volta do almoço. Ao ouvir o toque, entram rapidamente para bater o cartão e esperam a chamada para receber o salário do mês. Os envelopes de pagamento terão metade do pagamento em dinheiro e a outra metade será o impiedoso comprovante de retirada do vale pago na metade do mês. É sempre uma reclamação, pois o dinheiro é pouco no final das contas e dividido pela metade fica pior ainda.

Teobaldo desce do carro junto com Uns e Outros, com as armas na cintura, fazem a segurança imediata para a entrada do carro com Henrique e Clemente, ambos com metralhadoras. O carro de ação interna aproveita a confusão e que não há mais ninguém sobre a balança dos caminhões e invade a fábrica. Os guerrilheiros entram na sala dos guardas, que fica antes da gerência e a agitação é percebida pelos operários, que se aglomeram para ver o que se passa.
Com as armas nas mãos, começa a ação. Teobaldo é o segundo a entrar, logo atrás vem Henrique e os guardas são colocados com a cara contra a parede pelo jovem guerrilheiro, que toma as armas e cinturões dos guardas de segurança privada. Henrique ameaça todos para garantir sua entrada na sala da gerência.
— Eu vou entrar, hein? Se tiver alguém lá dentro vai ter um puta tiroteio aqui e vocês vão levar chumbo grosso.
O guarda assustado com a presença do homem armado com uma metralhadora informa.
— Pode entrar, moço. Não tem ninguém armado lá dentro
O comandante entra com sua metralhadora schmeizer 9mm e diz seu costumeiro: “Puta merda!”. Em seguida reclama com Uns e Outros, que silenciosa e tranquilamente começou a ação antes da entrada de Henrique.
— Você já tinha entrado e não me avisou.
Uns e Outros já tinha rendido o gerente e o outro funcionário, limpado a mesa para encher os sacos mais livremente e agia tranquilo. Nessa operação, fez mais uma de suas costumeiras brincadeiras em ação. Sacudiu os sacos com força espalhando o resto de farinha de trigo na sala inteira e fala para o gerente não se assustar com o pó branco.
— Não vai doer nada. Pelo contrário, vai amortecer seus músculos e vai deixar tudo relaxado. Isso é um pó paralisante.
O gerente acredita.
Lá fora, Clemente começa seu discurso para os operários.
— Companheiros, estamos aqui para mais uma ação revolucionária contra a ditadura militar e contra o imperialismo, que rouba as riquezas de nosso país. Fomos chamados aqui pelos trabalhadores desta fábrica, que estão insatisfeitos com os salários e com as condições de trabalho.
Realmente, a guerrilha fora convidada a fazer essa tomada de fábrica por trabalhadores organizados e insatisfeitos com os salários. A companheira Socorro, da ALN, se empregou na fábrica e conversou com os companheiros da comissão de fábrica, que recomendaram a realização da ação de expropriação do pagamento e a denúncia da exploração.
Socorro fez todo o levantamento da empresa e produziu um croqui muito bem feito das instalações. A comissão de fábrica da Mangels, que atuava clandestinamente para não ser entregue pelos patrões para a repressão política, pediu a ela essa ação. A solicitação foi clara: levem os envelopes com os comprovantes de pagamento do vale, fato que irá forçar o pagamento integral do mês, sem desconto da antecipação salarial, por falta do comprovante, e para facilitar o trabalho dos companheiros de dentro da fábrica.
Dominados os guardas, Teobaldo retira os cinturões de bala e os revólveres, vai para o canto da salinha, arromba o armário das carabinas da segurança com o cano do revólver, espatifando os vidros do móvel e provocando um espalhafatoso barulho, que assusta os que deveriam proteger a propriedade da fábrica.
O telefone da sala da contabilidade toca estridentemente. É o quartel ligando para confirmar a tomada da fábrica por um comando guerrilheiro da Frente Armada Revolucionária. Henrique tira o fio da tomada com força e junto arranca o telefone de cima da mesa, que cai no chão com um barulho parecido com um tiro. O gerente, deitado no chão, se esconde debaixo da mesa de trabalho apavorado.
A tensão aumenta, mas ninguém abandona seus postos. Nem os operários, que ouvem o discurso dos revolucionários e se divertem com o desafio aos militares.
O comandante Bruno atravessa o carro na rua. Castro coloca uma caixa de granadas sobre o capô do carro e o pé sobre o para-choque para dar mais firmeza ao mirar seu fuzil em direção ao quartel à espera da ofensiva dos militares. Sem saber o que acontecia, um oficial sai imprudentemente do quartel com um grupo de soldados armados de fuzis para dar combate aos guerrilheiros. São parados com uma rajada de FAL a poucos centímetros de seus coturnos. Os militares assustados recuam rapidamente e entram no quartel correndo.
Henrique brinca com a situação tensa.
— Começou a guerra lá fora.
Clemente continua seu inflamado discurso.
— A ditadura militar brasileira entrega nosso país para o imperialismo e acha que todo o povo vai ficar calado. Estamos aqui para provar que o povo brasileiro tem coragem de lutar contra esses gorilas assassinos de trabalhadores. É possível enfrentar a ditadura dos patrões e esse bando de entreguistas, que vendem nossa pátria para alemães e americanos.
Toma fôlego para continuar seu discurso e vê sinais de aprovação na massa de trabalhadores, que não arreda pé do local, nem quando ouve os tiros do lado de fora da fábrica. Muitos riem e se cutucam para apontar um trecho da fala do jovem comandante militar da ALN.
— Estamos aqui, nessa ação revolucionária, para mostrar que a exploração de nossa classe operária tem limite e que nossas armas estão a serviço de vocês. Vamos expropriar os envelopes de pagamento e, se não pagarem amanhã o salário integral, voltaremos para fazer a justiça revolucionária contra esses patrões que serviram ao nazismo e agora servem à ditadura brasileira
A fala de Clemente alegra os operários, que riem e comemoram as palavras dele.
Da porta do quartel, o coronel olha temeroso com um olho só o que se passa na frente da fábrica. Castro, ex-sargento do exército e exímio atirador, se diverte com o medo do inimigo e dá um tiro certeiro na parede a um palmo acima da cabeça do curioso militar, que recua e não volta mais para o combate. Os operários circulam sem medo dos tiros pela porta da fábrica e gostam do inusitado da cena. Isso anima os combatentes revolucionários.
— Companheiros, não há o que temer. O povo está em armas e os patrões já sabem que não podem agir impunemente. Essas armas aqui estão a serviço de vocês, do povo e da Revolução que vai libertar nosso país da exploração imperialista. Os militares assassinos de trabalhadores chamam essa ditadura de revolução. Errado. Nós somos a Revolução.
Enquanto isso, os cinco guardas ouvem a preleção de Teobaldo, dentro da salinha da segurança, que diz a eles que a guerrilha não é composta por ladrões e que eles não devem abusar de sua posição de guardas para reprimir os trabalhadores. Um dos guardas diz concordar.
— Tô de acordo.
O guerrilheiro afirma que a guerrilha sabe de tudo o que acontece dentro da fábrica e que voltará para fazer a justiça revolucionária, caso seja necessário.
Henrique e Uns e Outros saem com dois sacos cada um e Teobaldo faz a segurança para sua retirada, com os cinturões de balas retirados dos guardas cruzados no peito, tal qual um dos guerrilheiros de Emiliano Zapata. Num saco leva os revólveres tomados dos seguranças e as três carabinas Urco calibre 32, retiradas do armário. Uns e Outros entra no banco de trás do fusca e a ordem do comandante para a retirada é dada.
Antes de sair, Teobaldo se despede dos guardas com a ordem de não saírem por cinco minutos, pois talvez haja uma batalha lá fora e eles podem se ferir. Ele passa pelo palco do comício de Clemente e pula o cano que faz a divisória da balança com a passagem de pedestres. Pesado com aqueles cinturões de balas, carabinas e revólveres, entra no carro, coloca o saco de armas tomadas do inimigo atrás do banco junto com os cinturões de balas e fica atento segurando seu revólver e a pistola 45 dada por Henrique.
Henrique coloca sua parabellum mauser para fora dando proteção à retirada de Clemente, que entra e prepara-se para o possível combate. Henrique dá ré e sai pela contramão da rua, em sentido oposto ao quartel. Espera os companheiros do carro da segurança entrarem todos, vê Castro carregar seu FAL e a caixa de granadas para dentro do fusca verde. Os dois carros seguem rápido até encontrar o carro da cobertura estratégica, comandada por Rei.

O comboio de carros cheios de revolucionários anda devagar para não chamar atenção até avistarem a subida do viaduto São Carlos. Nesse ponto, Henrique liga a sirene que instalara nos carros e sai em velocidade alta, com as armas para fora das janelas simulando ser um carro da polícia. Não demora muito e o comboio cruza com duas C-14 do DOI-CODI vindo em desabalada carreira para dar combate aos guerrilheiros, que tomavam uma fábrica logo adiante. Esbravejam com os braços e armas para fora das janelas que os guerrilheiros estão indo em sentido errado e indicam que devem ir para onde eles estão indo. Henrique balança o braço, com aparabellum na mão, dizendo que era para o outro lado que deveriam ir e que esse é o caminho certo. Os assassinos da repressão desistem de convencer os “policiais confusos” e seguem em direção à fábrica tomada.
— Eu não falei? – indaga ironicamente Uns e Outros e todos caem em gargalhadas com a burrice do inimigo.
As sirenes são desligadas e as armas são escondidas para não chamar mais a atenção.
Henrique pilota o carro do comando e leva o comboio para uma travessa da rua da Independência, perto do Largo do Cambuci, onde os sacos com dinheiro e envelopes são passados para a kombi com placas legais e as armas tomadas mais as armas pesadas da guerrilha vão para os carros com placas legais. Os três carros da ação serão dispersados e largados em um ponto mais adiante para confundir a repressão mais um pouco.
Clemente dirige o carro da ação para ser dispensado. Vai junto com Teobaldo para a avenida Ricardo Jafet e para diante de uma pracinha na rua Coronel Diogo. Seu companheiro diz que está muito perto do local de outra ação feita alguns dias antes e Clemente concorda. O helicóptero Bagre dos militares corta o céu de São Paulo à procura dos guerrilheiros. O carro segue adiante e chega à rua Vergueiro, manobra e estaciona atrás da caixa d’água da Sabesp da rua Carlos Petit.
— Aqui está bom. Gosto dessa região para guardar carros por ser exclusivamente residencial.
Clemente como um mestre ao discípulo, embora tenha vinte anos e Teobaldo dezesseis recém-completados.
Clemente imprime suas impressões digitais no vidro do para-brisa do carro e Teobaldo pergunta o motivo de tão esdrúxulo ato. A resposta soa como algo assustador.
— Se eu cair, não saio com vida. Se é para me matar, vão matar com um motivo justificado. Fiquei sabendo que eles ficam furiosos quando encontram minhas digitais.
O estranho ritual de Clemente para abandonar carros de ação incomoda muito Teobaldo, que lembra na hora que aquele era um dos militantes mais procurados do país, que sabia que seria trucidado se fosse capturado e dizia que não cairia vivo em hipótese alguma. Dentro dessa lógica, provocava o inimigo deixando ostensivamente suas impressões digitais no para-brisa do carro que dirigia em ação. Teobaldo fica com aquela cena na cabeça.
O carro é abandonado. Clemente abraça fraternalmente ao jovem guerrilheiro e assim caminham alguns metros. O alagoano criado no Rio de Janeiro, e Teobaldo, gaúcho recém-chegado a São Paulo, tem uma ligação muito forte e uma semelhança física grande. A pouca idade dos dois aumenta a possibilidade de serem confundidos um com o outro.
Andam pela avenida Vergueiro entre as obras do metrô e se separam na esquina da rua Machado de Assis. Clemente atravessa o pontilhão de madeira e vai em direção ao Ibirapuera. Teobaldo finge seguir em frente, se certifica que Clemente não o vê mais e entra na rua transversal. Antes de entrar em casa, que fica alguns quarteirões abaixo de onde se separou do companheiro olha ao redor para ver se há algo suspeito. Olha para cima e vê o helicóptero cruzando o céu em busca de um grupo de aguerridos guerrilheiros, que ousaram desafiar um poderoso exército.
— Oi, filho. Já chegou? O que vocês andaram aprontando? Tô ouvindo os helicópteros e sei que estão à procura de vocês.
Teobaldo ri do jeito que sua mãe quer saber o que o filho andou fazendo.
— Tomamos uma fábrica quase em frente a um quartel do exército. Os caras tentaram vir dar combate a nós e foram interrompidos por uma rajada de tiros. Depois saímos de lá com os carros usando sirenes e cruzamos com eles. Foi até engraçado.
— Vocês se divertem com o perigo desse jeito?
O rapaz nem responde. Apenas ri orgulhoso e vai tomar banho. Depois vai estudar.

No dia seguinte, os jornais falam sobre a tomada da fábrica. Surpreendentemente, a cobertura dos jornais é muito boa e nem tão contrária. Cada um ao seu modo, todos exploram o fato de modo sensacionalista, dão destaque para a ousadia da ação e para o fato de terem “assaltado” para levar o salário dos trabalhadores, com o nítido viés ideológico de antipatizar à luta contra a ditadura e a mobilização dos operários por melhores salários. Nada sobre os baixos salários da classe trabalhadora. É a imprensa da ditadura e da classe dominante, afinal.
Outra coisa em comum é como foi descrita a ação e seus participantes. Falam do fato de ser diante de um quartel do exército e de uma dependência da polícia civil, e ressaltam que “estão cada dia mais ousados”. Relatam amplamente que foi usado um estranho “pó paralisante”, que teria imobilizado os guardas e funcionários da fábrica. A história inventada pelo gozador Uns e Outros surtiu efeito e passou a ser dada como verdadeira. O resto da farinha de trigo nos sacos usados pela guerrilha passou a ser um pó paralisante.
Para justificar o domínio da ação sobre os militares e o coronel no comando do quartel, as matérias diziam que “por coincidência, os terroristas saíram pelo lado oposto ao quartel, não permitindo a intervenção dos militares, segundo o comandante daquela unidade militar”. Sobre o uso de sirenes pela guerrilha, diziam apenas que “na fuga dos terroristas ouviu-se o som de sirenes de polícia”, sem dizer que foram os guerrilheiros que produziram o som.
E, ao descrever os guerrilheiros, falam de um “jovem, forte e loiro” que “fez discurso para os operários, rendeu os guardas e tomou-lhes as armas”, surpreendentemente juntando Teobaldo e Clemente numa só pessoa. A semelhança física de ambos foi juntada numa só pessoa com inusitada capacidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo.
No final da tarde, Henrique e Clemente se encontram com Teobaldo, que recebem o jovem guerrilheiro com largos sorrisos e um par de abraços carinhosos.
— Emiliano Zapata te manda lembranças.
— Só faltou o sombreiro.
— Que conversa é essa?
— Com aqueles cinturões cruzados no peito, você parecia um dos homens de Zapata ou Pancho Villa. Nem percebeu?
— Eu tinha pendurado no pescoço, mas ficou me atrapalhando para controlar os guardas, aí eu cruzei no peito.
— Parabéns! A ação foi ótima e você teve comportamento exemplar. Nosso mais novo soldado já está formado.
— Agora tu vai ser solicitado para ações cada vez mais difíceis. Se prepara, bicho.
— Os caras são muito burros e não percebem que eram dois e deram como se fosse um só.
Teobaldo comenta sobre a presteza da ação de Castro e os dois contam que ele nem se abalou com os elogios pela pontaria. Henrique está feliz e orgulhoso com seu mais novo combatente. Só tem elogios e faz questão de mostrar isso. Clemente também está orgulhoso com seu sósia involuntário e não para de fazer elogios carinhosos.
Clemente se despede e sai acelerado com seu fusca. Vai encontrar seus companheiros de ALN e organizar os próximos passos da luta.
Henrique sai junto com Teobaldo. Vão se encontrar com Rei, que comandou a segurança estratégica da ação vitoriosa, para fazerem um balanço da ação. Mais do que isso, Henrique vai convocar uma reunião do MRT para também começar o planejamento dos próximos passos da luta. Depois, será convocada uma reunião conjunta das organizações para a articulação da luta pela Frente Armada Revolucionária, que reúne as várias organizações.
Os revolucionários, que lutam contra uma ditadura cruel e implacável terão que levar em conta daí em diante que o inimigo está furioso e que não poupará esforços para matar todos os participantes da ousada ação. O exército da ditadura foi desmoralizado e isso não poderá ficar sem castigo ou vingança. A luta segue firme, dura e determinada.


Contos Guerrilheiros – Memórias da luta armada no Brasil de Ivan Seixas, ex-preso político da ditadura militar fascista no Brasil e ex-guerrilheiro do Movimento Revolucionário Tiradentes – MRT, reúne em mais de trinta ensaios seus relatos e memórias reais que percorrem um importante período da história do nosso país, conduzindo o leitor às cenas do cotidiano da vida clandestina de militantes que assumiram o risco de enfrentar a máquina sanguinária da repressão através da guerrilha urbana e de ousadas ações armadas. O livro narra o funcionamento interno das organizações guerrilheiras, as relações afetivas de amizade, amor e confiança estabelecidas entre os combatentes da esquerda armada, a dureza da vida nas casas clandestinas chamadas de aparelhos, os encontros de guerrilheiros nos locais que eram conhecidos como pontos, o levantamento de informações até as expropriações de bancos e carros-fortes para financiar a luta, os tiroteios com agentes da repressão, as ações de propaganda armada, o atendimento médico aos feridos em condições precárias, o papel dos traidores e infiltrados conhecidos como “cachorros”, as redes solidárias de apoio e a tristeza das quedas de companheiros presos ou mortos pelos organismos de repressão.
Título: Contos Guerrilheiros – Memórias da luta armada no Brasil; Autor: Ivan Seixas; Páginas: 300 págs; 1º Edição, 2025. Frete Grátis.