Mensagem aos brasileiros — Carlos Marighella

Texto assinado por Carlos Marighella e datado de dezembro de 1968. Publicado originalmente com o título “Mensagem aos brasileiros” como Suplemento do jornal O Guerrilheiro.  Foi também traduzido e publicado em diversas línguas e países, incluindo em espanhol no semanário uruguaio Marcha com o título “Llamado al pueblo brasileño a unirse a la lucha" em fevereiro de 1969, dirigido então pelo jovem Eduardo Galeano, e em inglês no The Black Panther, jornal do Partido Pantera Negra nos EUA, de novembro de 1969 (Vol. 3, nº 29), com o título “A message to brazilians”. Fontes originais no BNM e Arquivo Nacional.
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De algum lugar do Brasil, dirijo-me à opinião pública do país, e em especial aos operários, aos agricultores pobres, aos estudantes, aos professores, aos jornalistas e aos intelectuais, aos padres e bispos, aos jovens e à mulher brasileira.

Os militares tomaram o poder pela violência em 1964, e eles próprios abriram o caminho à subversão. Não podem queixar-se nem espantar-se de que os patriotas trabalhem para desalojá-los dos postos de mando que usurparam descaradamente.

Afinal, que ordem os gorilas querem preservar? Os assassinatos de estudantes em praça pública? Os fuzilamentos do Esquadrão da Morte? As torturas e espancamentos no DOPS e nos quartéis militares?

O governo desnacionalizou o país, entregando-o aos Estados Unidos – o pior inimigo do povo brasileiro. Os norte-americanos são donos das maiores extensões de terra do Brasil, detêm em suas mãos uma grande parte da Amazônia e de nossas riquezas minerais, incluindo minerais atômicos. Têm bases de foguete em pontos estratégicos de nosso território. Os agentes da espionagem norte-americana da CIA estão dentro do país como se estivessem em sua própria casa, orientando a polícia em caçadas humanas aos patriotas brasileiros e assessorando o governo na repressão ao povo.

O acordo MEC-Usaid vem sendo posto em prática pela ditadura com o propósito de aplicar em nosso país o sistema norte-americano de ensino e de transformar nossa universidade numa instituição de capital privado, onde só os ricos possam estudar. Enquanto isso, não há vagas e os estudantes são obrigados a enfrentar as balas da polícia militar, disputando com o sangue o direito de estudar.

Para os operários, o que existe é o arrocho salarial e o desemprego. Para os camponeses, os despejos, a grilagem de terras, os arrendamentos extorsivos. Para os nordestinos, a fome, a miséria, a doença.

Não há liberdade no país. A censura é exercida para coibir a atividade intelectual.

A perseguição religiosa cresce dia a dia. Sacerdotes são presos e expulsos do país, os bispos agredidos e ameaçados.

A inflação segue desenfreada. Há dinheiro demais em poder dos grandes capitalistas, enquanto escasseia nas mãos dos trabalhadores. Nunca pagamos tão caro pelos aluguéis e pelos gêneros de primeira necessidade, com salários tão baixos e cada vez mais reduzidos.

A corrupção campeia no governo. Não admira que os maiores corruptos do país sejam ministros e oficiais das forças armadas. Membros do governo vivem à tripa forra, praticando o contrabando e a contravenção, entretanto para o funcionalismo a ditadura não concede mais do que um mísero aumento de 20%.

A orgia de dinheiro inflacionado deu origem à onda de assaltos, fenômeno social de um país onde há nababos desperdiçando fortunas e milhões de miseráveis mendigando emprego, comida e moradia. Sem força moral, a ditadura não impõe mais respeito, e sua autoridade está posta em xeque. Nem ao menos consegue garantir o dinheiro em poder dos bancos e repartições públicas. E ainda cai no ridículo, ao apresentar um patriota como super-homem, atribuindo-lhe o dom da ubiquidade e a autoria de quantos assaltos e atos terroristas se perpetram no país.     

 Ante a enxurrada escandalosa de mentiras e acusações terrivelmente injuriosas contra mim lançadas, não terei outra atitude a tomar a não ser responder à bala ao governo e suas nojentas forças policiais empenhadas na minha captura vivo ou morto.

Agora não será como em 1964, quando eu estava desarmado e a polícia me baleou, sem que pudesse pagar na mesma moeda.

As organizações de extrema-direita assaltam, atiram bombas, matam, sequestram. Ninguém, entretanto, tem conhecimento de que o governo esteja caçando qualquer assaltante ou terrorista do CCC.

A ditadura alega que há um plano de subversão e uma conspiração de cassados para derrubar o governo. E partindo para a caçada às bruxas, procura encarniçadamente o comando da subversão.

O comando da subversão, porém, está no descontentamento popular, pois ninguém aguenta mais este governo.

O movimento que tanto apavora os gorilas vem de baixo para cima. Não vem dos cassados, mas das entranhas do povo descontente, decidido agora a apelar para a força das massas, para a sua unidade e organização.

Não será através de quarteladas que derrubaremos a ditadura, nem por meio de eleições, redemocratização ou outras panaceias da oposição burguesa consentida.

Não acreditamos num parlamento conformado e submisso, mantido com o beneplácito da ditadura e disposto a ceder em tudo, para que os deputados e senadores possam sobreviver com seus subsídios.

Não cremos na solução pacífica.

As condições para violência nada têm de artificiais, e estão criadas no Brasil desde que a ditadura se impôs pela força.

Violência gera violência. E a única saída é o que estamos fazendo: utilizar violência contra os que tiveram a primazia em usá-la para prejudicar os interesses da pátria e das massas populares.

A violência que apregoamos, defendemos e organizamos é a da luta armada do povo, concebida como guerrilha.

Os gorilas pensam que a morte de Che Guevara na Bolívia significou o fim da guerrilha. Ao contrário, estamos inspirados no desprendido exemplo do guerrilheiro heroico e prosseguimos no Brasil sua luta patriótica, trabalhando junto ao nosso povo com a certeza na frente e a história a nosso favor.

O que está acontecendo em nosso país é um vasto movimento de resistência contra a ditadura. E dentro dele deu-se o irrompimento de tais operações e táticas guerrilheiras.

Aceitando o honroso título de inimigo público número 1, que me foi conferido pelo governo gorila, assumo a responsabilidade pela irrompimento de tais operações e táticas guerrilheiras.

Quem desfechará os ataques vindouros, onde, como e quando serão desencadeados, isto é um segredo da guerrilha, que o inimigo em vão tentará saber.

A iniciativa revolucionária está em nossas mãos. Já passamos à ação. Nada mais temos a esperar.

Os gorilas ficarão num labirinto escuro, até que se vejam obrigados a transformar a situação política do Brasil numa situação militar.

Ao desencadear a revolução popular, empregando táticas guerrilheiras, temos como objetivo organizar a guerra justa e necessária conta os Estados Unidos, a guerra total do povo brasileiro contra seus inimigos.

A guerra revolucionária no Brasil é uma guerra prolongada e não uma conspiração. Sua história está sendo escrita com sangue dos estudantes nas ruas e nas prisões onde os patriotas são torturados e massacrados, na ação dos sacerdotes perseguidos e injuriados, nas greves dos operários, na repressão aos camponeses, nas lutas das áreas rurais e dos grandes centros urbanos, envolvidos pela violência.

O destino das guerrilhas está nas mãos dos grupos revolucionários e na aceitação, apoio, simpatia e participação direta ou indireta de todo o povo. Para isso, os grupos revolucionários devem unir-se na ação, de baixo para cima.

Os revolucionários de todos os matizes e de qualquer filiação partidária, onde quer que se encontrem, devem prosseguir na luta e criar pontos de apoio para a guerrilha, uma vez que o dever de todo revolucionário é fazer a revolução, não pedimos licença a ninguém para praticar atos revolucionários e só temos compromissos com a revolução.

A experiência recente das lutas de nosso povo monstra que o Brasil entrou numa fase de táticas guerrilheiras e ações armadas de todos os tipos, ataques de surpresa e emboscadas, captura de armas, atos de protesto e sabotagem, manifestações de massas, comícios-relâmpagos, passeatas, greves, ocupações, prisão de policiais e gorilas para a troca por prisioneiros políticos.

O princípio tático que devemos seguir agora é distribuir as forças revolucionárias para intensificar essas formas de luta. Mais adiante deveremos concentrar as forças revolucionárias para realizar operações de manobras.

Na área rural ou na área urbana, dentro dos caminhos a escolher pelos revolucionários subsistem três grandes opções: atuar na frente guerrilheira, na frente de massas ou na rede de sustentação.

Em qualquer uma destas frentes, é preciso fazer o trabalho clandestino, organizar grupos secretos, manter a vigilância contra a infiltração policial, punir com a morte os delatores, espiões e “dedos-duros”, não deixar filtrar nenhuma informação ao inimigo.

Seja qual for a situação, é preciso ter armas e munições, aumentar a potência de fogo dos revolucionários e saber utilizá-la com acerto, decisão e rapidez, inclusive em pequenas ações como distribuição de boletins e pinturas murais.

Entre algumas medidas populares previstas para serem aplicadas inapelavelmente com a vitória da revolução, executaremos as seguintes:

— Aboliremos os privilégios e a censura;

— Estabeleceremos a liberdade de criação e a liberdade religiosa;

— Libertaremos todos os presos políticos e os condenados pela atual ditadura;

— Faremos a extinção da polícia política, do SNI, Cenimar e demais órgãos da repressão policial;

— Após julgamento público sumário, levaremos ao pare-dão os agentes da CIA encontrados no país e os policiais responsáveis por torturas, espancamentos, baleamentos e fuzilamentos de presos;

— Expulsaremos os norte-americanos do país e confisca-remos suas propriedades, incluindo empresas, bancos e extensões terras;

— Confiscaremos as empresas de capital privado nacional que colaboraram com os norte-americanos e que se opuseram à revolução;

— Tornaremos efetivo o monopólio estatal na esfera do câmbio, comércio exterior, riquezas minerais, comunicações e serviços públicos fundamentais;

— Confiscaremos a propriedade latifundiária, acabando com o monopólio da terra, garantindo títulos de posse aos agricultores que trabalham, extinguindo formas de exploração como a meia, a terça, o arrendamento, o foro, o vale e o barracão, os despejos e a ação dos grileiros, punindo todos os responsáveis por crimes contra os camponeses;

— Confiscaremos todas as fortunas ilícitas dos grandes capitalistas e exploradores do povo;

— Eliminaremos a corrupção;

— Asseguraremos pleno empregos aos trabalhadores e às mulheres, terminando com o desemprego e o subemprego e aplicando o lema: de cada um segundo de sua capacidade, a cada um segundo do seu trabalho;

— Extinguiremos a atual legislação do inquilinato, eliminando os despejos e reduzindo os aluguéis, para proteger os interesses dos inquilinos, bem como criando condições materiais para a casa própria;

— Reformaremos todo o sistema de educação, eliminando o acordo MEC-Usaid e qualquer outro vestígio da intromissão norte-americana, para dar ao sistema de ensino brasileiro o sentido exigido pelas necessidades da libertação de nosso povo e seu desenvolvimento independente;

— Daremos expansão à pesquisa científica;

— Retiraremos o Brasil da condição de satélite da política exterior norte-americana, para nos tornamos independentes da política dos blocos militares, seguindo uma linha de nítido apoio aos povos subdesenvolvidos e em luta contra a colonização.

Todas estas medidas serão sustentadas pela aliança arma-da de operários, camponeses e estudantes, de onde surgirá o exército revolucionário de libertação nacional, cujo embrião é a guerrilha.

Estamos nos umbrais de uma nova época no Brasil, que marcará a transformação radical da nossa sociedade e a valorização da mulher e do homem brasileiros.

Lutaremos pela conquista do poder e pela substituição da máquina burocrática e militar do Estado pelo povo armado. O governo popular-revolucionário será o grande objetivo de nossa estratégia.

Ódio de morte aos imperialistas norte-americanos!

Abaixo a ditadura militar!

Viva Che Guevara!


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