Presidente Fred, o messias pantera

Artigo publicado como apresentação do livro “Poder em Qualquer Lugar Onde Haja Povo” (2021), de Fred Hampton, edição conjunta do Editorial Adandé e do TraduAgindo.
Assata, aquela que luta

Artigo publicado como apresentação do livro Assata Shakur – Revolucionária Negra, parte da Coleção Panterismo do Editorial Adandé.
Clóvis Moura, quilombagem e luta de classes

Entendendo os quilombos como unidade básica de resistência e fenômeno contínuo durante os quase quatro séculos de escravismo no Brasil, que se articulava às diversas formas de luta contra o cativeiro, desde as insurreições nas cidades até o bandoleirismo, passando pelas reivindicações parciais e a ressignificação de elementos culturais, Clóvis Moura definiu o conceito de quilombagem como o conjunto das diferentes manifestações do protesto negro, cujo centro de rebeldia foram os quilombos. Partindo de uma interpretação marxista da escravidão como uma relação de produção que opunha escravos e senhores, povo negro e elite branca, enquanto classes antagônicas, a quilombagem como expressão dessa luta de classes que constituiu nosso país é um conceito-chave no pensamento do nosso autor. A quilombagem é concebida então, a partir do “marxismo negro” de Moura, como um movimento intermitente que se reestruturava e se reproduzia historicamente, em processo permanente de negação radical da escravidão, que existiu durante o longo período escravagista e por todo o território brasileiro, desgastou o sistema de dominação e afundou suas bases econômicas, sociais e político-militares. Compreender a formação social brasileira e interpretar corretamente nossa realidade histórica é uma tarefa fundamental para a qual os estudos da obra do piauiense Clóvis Steiger de Assis Moura é indispensável. Nascido em 10 de julho de 1925, em Amarante, pequeno município no Piauí rodeado pelos rios Canindé, Mulato e Parnaíba na divisa com o Maranhão, Clóvis era o irmão do meio e único mulato de uma família de classe média e miscigenada, filho de mãe branca, Elvira Steiger, e pai negro, Francisco de Assis Moura. Seu bisavô pelo lado materno, Ferdinando vön Steiger-Münssingen, cidadão suíço e que teria sido um barão na Europa, se tornou fazendeiro no Brasil e senhor de escravos em Ilhéus, com influência política na região cacaueira da Bahia. Pelo lado paterno, Abidon Moura, avô de Clóvis e comerciante mulato vindo do Maranhão, era filho da negra Carlota com um senhor de engenho na zona da mata pernambucana, de quem teria sido escrava. Ainda criança, em 1935, Clóvis se muda com a família para Natal (RN), mesmo ano em que a capital norte-rio-grandense seria palco do Levante Comunista dirigido pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) com o apoio do Partido Comunista do Brasil (PCB). Estudando em uma escola de padres maristas, o Colégio Diocesano Santo Antônio, onde escutava pregações contra malvados comunistas e anarquistas que lutavam contra as falanges fascistas de Francisco Franco e queimavam igrejas e símbolos católicos durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39), o jovem Clóvis Moura participou do Grêmio Cívico-Literário 12 de Outubro e dirigiu o pequeno jornal estudantil, O Potiguar, onde publicou seus primeiros artigos ainda com 14 anos de idade. Em 1941, a família Steiger-Moura se transfere para Salvador, mesmo ano em que o irmão mais velho de Clóvis, Carlitos, falece aos 17 anos, vítima de uma tuberculose. Em sua curta estada na capital baiana, Moura faz amizades com jovens intelectuais soteropolitanos e frequenta reuniões acadêmicas onde se discute sobre política e literatura, fazendo parte de um pequeno círculo inspirado pela chamada Academia dos Rebeldes, grupo do qual participaram destacados intelectuais comunistas como Jorge Amado e Edison Carneiro. Em 1942, por motivos de trabalho do seu pai, funcionário público de carreira e responsável pelo fisco, Clóvis se muda com a família para Juazeiro, na região do Vale do São Francisco e divisa da Bahia com Pernambuco, porém mantém sua rede de contatos formada na capital. Através dessas amizades é convidado para participar da Associação Brasileira de Escritores (ABDE) e começa a escrever artigos e poemas para a revista Caderno da Bahia e para o jornal comunista O Momento, editado pelo PCB baiano, ao qual se filia em 1945. Em Juazeiro, Clóvis inicia o desenvolvimento de uma militância político-cultural e funda o jornal O Jacuba, enquanto estuda a teoria marxista e começa a desenvolver suas pesquisas sobre a questão negra no Brasil, trocando correspondências com intelectuais como Arthur Ramos, Caio Prado Júnior, Astrogildo Pereira, Edison Carneiro e outros. Com o fim do Estado Novo em 1945, o PCB volta a legalidade e sob a liderança de Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, tem um avanço considerável em sua popularidade, participando das eleições daquele ano e conseguindo eleger uma importante bancada de deputados, porém, a vida legal do partido logo seria interrompida com a ascensão ao governo do marechal fascista Eurico Gaspar Dutra. Em 1947, o registro do PCB, e logo depois, os mandatos pecebistas são cassados. Com o partido na ilegalidade, as candidaturas comunistas migram para legendas legais como o Partido Socialista Brasileiro (PSB), agremiação proveniente da Esquerda Democrática da UDN que havia sido recém-fundada, e da qual João Mangabeira, tio de Clóvis, era um dos líderes. Moura se candidata ao legislativo estadual pelo PSB na Bahia, mas tem sua candidatura cassada em um episódio nunca muito bem esclarecido. Nesse mesmo período colabora com a revista Literatura, dirigida por Astrojildo Pereira e que contava em seu conselho editorial com Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Orígenes Lessa e outros importantes intelectuais. Em 1950, Clóvis participa como delegado do III Congresso Brasileiro de Escritores em Salvador e nesse mesmo ano, então com 25 anos, inicia uma nova etapa em sua trajetória, mudando-se para São Paulo, onde se integra à Frente Cultural do PCB, organismo do partido que reunia intelectuais como Caio Prado Júnior e Villanova Artigas, começando também sua carreira como jornalista profissional. O PCB nesse momento voltava a assumir uma linha revolucionária com o Manifesto de Agosto de 1950, assinado por Prestes em nome do Comitê Central, onde se afirma que “diante da violência dos dominadores, a violência das massas é inevitável e necessária, é um direito sagrado e o dever ineludível de todos os patriotas. É o caminho da luta e da ação, o caminho da revolução”. O partido vai manter uma forte oposição à primeira fase do segundo governo de Getúlio Vargas, organizando históricas greves operárias e construindo o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), além da defesa aberta da luta armada das massas e do impulsionamento das primeiras