Documento escrito por Carlos Lamarca, datado de 30 de outubro de 1970 e assinado como Cláudio, um dos codinomes que usou. O documento publicado no livro “Lamarca – Ousar Lutar, Ousar Vencer” (2ª ed; 2024) foi recuperado a partir da versão disponível no Arquivo Brasil Nunca Mais. A sigla “OPM”, se refere a “Organização Político-Militar”, e UC, às “Unidades de Combate” da VPR, que funcionavam como células de guerrilha urbana da organização. A Frente Armada Revolucionária, que não possuiu um nome “oficial”, sendo também chamada apenas de “Frente Armada”, foi uma coordenação de organizações revolucionárias que teve a participação da ALN, VPR, MRT, MR-8, PCBR, REDE (que se fundiu com a ALN) e pontualmente da VAR-Palmares, se desarticulou em meados de 1971, principalmente após as quedas e prisões de quadros das organizações que a formavam, entre 1970 e 1971 a Frente articulou diversas ações armadas e impulsionou a Campanha pela Voto Nulo nas eleições legislativas de novembro de 1970, que tiveram cerca de 50% de abstenção geral.

HISTÓRICO
Para orientar o debate sobre Política de Frente, e facilitar a tomada de decisão pelas bases, fazemos um histórico das frentes estabelecidas e qual o estágio atual.
Em abril de 69, a esquerda ainda indefinida, sem uma clara linha política e com apenas um ponto em comum – a luta armada – concretizou algumas fusões orgânicas, tentando a conciliação de grupos que integrados teriam capacidade política e capacidade militar. A falsa conotação dessa dicotomia ocasionava na divisão de quadros políticos e quadros militares. Enquanto os políticos, dentro da concepção de braço armado, dirigiam os quadros militares, represando opções em nível militar enquanto checavam as direções. Na superação dessas condições apareciam: na VPR, a mudança constante do Comando, e no COLINA, uma constante mudança de estrutura.
Os quadros militares forçaram a ruptura com a concepção de braço armado, colocando em prática uma organização político militar. Em abril era claro isso na constituição do COLINA, que em fusões oportunistas englobou grupos do Rio, Brasília e GB, e na VPR, formada pela fusão, também oportunista, do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário) e POLOP. Fazemos aqui um parêntese para colocar a nossa posição sobre os chamados de “porras-loucas”, quadros levavam à prática ações violentas, forçando a ruptura da prática anterior da esquerda e criando condições para a criação da OPM. Apesar da falta de uma política global, e na síntese de que se a saída era a luta armada, essa seria a solução, apesar disto, aqueles quadros sofreram críticas, reduziam a organização de tipo OPM, tinham visão de maneira incorreta, seguiu-se o desentendimento.
Em abril de 69 a VPR faz um Congresso, dentro do quadro geral de crise de segurança em toda a esquerda, com grande número de quedas em Minas e Rio do COLINA, e em SP da VPR. No item sobre relacionamento a VPR tirou política de que na ligação com outras organizações poder-se-ia chegar: Fusão – duas organizações que se uniam formando uma terceira; Integração – entrada na organização de grupos pequenos; Frente Tática – trabalho conjunto com outra organização; Coordenação Estratégica – coordenação de espaço-tempo para que uma Org. particionasse dificuldades à outra no encaminhamento de seus trabalhos; Rede de Informações – para preservar a esquerda de infiltrações.
Na VPR existiam duas posições para estreitamento do relacionamento: uma achava correta a aproximação com a ALN e outra com o COLINA.
Devido a divergência principal com ALN que definia a Organização como grupos independentes, ou melhor, autônomos – e a VPR considerava questão fundamental a concordância com a estrutura (projeção da linha política) para a fusão. Devido ainda à prática política da esquerda de “pixações”, houve uma aproximação com o COLINA, uma fusão que criou um momento de direção que não via, não ouvia, não falava, não sentia, nem se movia e todas as experiências que conhecemos bem. Mas por que falar nisso agora? É para caracterizar bem ao que leva o oportunismo de duas Organizações que se sentiam fracas – pelas quedas que sofreram – para deixar claro a todos que apenas juntar não fortalece a linha, que a insegurança é um problema ideológico que não pode ser superado com fusão política – que ser pouco não é ser fraco, que ser muito não é ser forte, que a orientação nas Organizações eram ditadas por uma vanguarda nem sempre em condições de sê-la. E daí chegamos aos princípios: fusão ou integração só serão possíveis dentro de um processo longo de prática conjunta em que as bases é que decidem, cumprindo o Comando a formalização – é inviável a fusão ou integração em época de crise – o fortalecimento de uma fusão ou integração dá-se no plano político quando propicia um salto qualitativo, apenas é possível ultimar uma fusão ou integração quando a Organização é forte politicamente, as bases discutindo e a maioria decidindo, e a minoria submetendo-se – que a mudança de qualidade é modificada pela quantidade, mas cabe a maioria da base a mudança desta qualidade.
Em outubro de 69 a Comissão Reestruturadora Nacional decidiu que os militantes da VPR procurariam a ALN para que o Congresso recebesse um relatório do que era a ALN, tendo dados apenas de “pixações”, procurava-se o conhecimento da realidade. Marcada a reunião para 6 de novembro, morreu Marighella no dia 4, e Câmara se encontrava no exterior. Apesar de prejudicada a reunião, foi formalizada a frente VPR-ALN, no setor urbano de SP. Quanto ao campo nada evoluiu, ficou-se nos chavões.
Em dezembro a frente se estendeu (ainda em SP somente) à REDE e MRT. Em janeiro foi decidido: a frente teria uma comissão formada de um representante de cada Organização para manter discussão permanente; a VPR passaria defender para as outras Organizações, para que a frente não ficasse restrita às ações de numerário, partindo para ações políticas. A VPR não encaminhou corretamente nenhuma das duas posições: o representante da VPR na frente não tinha condições políticas para manter discussão e conduzi-la à maior consequência que não a simples execução conjunta das ações; a iniciativa da VPR repassar numerário as outras Organizações foi interpretada como pressão econômica, e assim, até junho, as relações na frente permaneciam entravadas.
Em junho de 70 reúne-se a frente (VPR-ALN-MRT-REDE) onde se discute os problemas gerais da esquerda, a falta de solidariedade, a política de disputa de quadros, os problemas específicos da frente. Da ALN e REDE partiu a proposição da frente formar um Comando Político, tese refutada pela VPR e MRT. No mesmo dia foi formalizada a integração da REDE na ALN.
A partir de agosto as discussões foram sendo aprofundadas. Da discussão da proposição de Campanha do Voto Nulo, foi convidado o MR-8 para entrar na frente e em seguida o PCBR, discutindo-se ações conjuntas.
PARA DISCUSSÃO
Colocamos como questão de princípio (a discutir): A frente não deve ter um nome em virtude de não ser uma frente nacional reconhecida como tal; Não deve formar um Comando Político, ali devem ser colocadas posições da base; A frente não é um organismo supra organizações, mas as ações conjuntas devem ter prioridade.
A frente em SP era restrita (regional), estendeu-se ao RGS por tentativa da UC, com a entrada do MR-8 entra GB, e com o PCBR, possivelmente se estenda ao Nordeste. Ora, a ampliação da frente estenderá a atuação podendo-se empreender campanha nacional. O que não pode ser confundido com Frente Brasileira, em virtude de não ter sido discutido um planejamento estratégico conjunto – e, claro, existem divergências muitas, que poderão ser superadas dentro de um processo, com discussões constantes. Assim, apesar da extensão da frente, nós a consideramos Frente Tática. Com a ALN iniciamos discussão sobre campo, e temos a mesma concepção, mas com os últimos acontecimentos (quedas na ALN), principalmente a do Câmara, será um refluxo, e teremos de aguardar os acontecimentos internos desta organização. Não poderemos considerar a frente como nacional, em virtude da existência de outras organizações com as quais a frente não discutiu. E ainda existe muita criancice dentro da esquerda, por exemplo: a VPR foi procurada em nome da frente e à proposta de entrada na frente para discutir firmou posição – “a frente que participa a VPR e a ALN não é frente, é ‘porra-louquice’” – eis a imaturidade, o sectarismo raivoso que impede a visão política se estender, eis a incapacidade de pseudos marxistas, eis o desvio ideológico dos que ainda não conseguiram ver o inimigo principal. Sabemos que a VAR-P é revisionista, mas achamos que através de discussões numa frente isto pode ser modificado. Ora, não pode a frente falar ainda em nome da Revolução Brasileira, mas na prática vamos atuar para que fiquem claros os dois polos na esquerda. Não que queiramos que estes polos existam, mas porque eles existem – queremos sim que fiquem nítidos – que não sejam mistificados, escamoteados pelas deformações das conhecidas jogadas políticas. Delinear os dois polos da esquerda é uma tarefa revolucionária, um passo importante para a Revolução.
A frente não tem condições de formar um Comando Político, não porque não queiramos, mas porque não tem mesmo. As bases de todas as Organizações da frente discutiram? Quais os princípios que a norteariam? Que linha política encaminharia à prática? Até que ponto as Orgs manteriam a sua autonomia? Quais são as divergências entre as diversas Organizações (…) e como seriam superadas pelo Comando Político, ou este Comando seria o órgão máximo e da máxima conciliação?
A frente é estabelecida em torno dos pontos comuns, leva-los à prática conjuntamente, enquanto as discussões e o conhecimento maior entre as Orgs, numa prática conjunta, todas contribuindo para a superação dos problemas de todas. E se for corretamente encaminhado tudo isto, seriamente – pode-se chegar em posições superiores. A autonomia das Orgs é preservada e os e diversos pontos de divergências tendem a ser realmente superados.
Por isso, achamos que não há condição de estabelecer um Comando Político, até que as interrogações acima sejam respondidas. Na frente devem ser levadas as posições de base das Organizações – e isto é questão de princípio simples, pois contribuímos para que o leninismo seja praticado nas Orgs, assim, também, as bases podem não se checar, mas contribuir para o seu fortalecimento que é realmente um dos passos mais sérios que a esquerda tem de dar, pois também se reflete formativamente nas bases que terão, assim, responsabilidade na luta teórica e na prática consequente. Eis-nos, então diante de uma grande tarefa – eis-nos o amadurecimento.
Quando colocamos que a frente não deve ficar restrita à discussão de ações conjuntas, que são possíveis devido aos pontos comuns, colocamos que é fundamental a discussão de toda a problemática da esquerda como fator dinâmico, é claro, que a questão fundamental é justamente a superação (e a conciliação) das divergências, e se assim não for, cada Organização será suporte da outra, suporte logístico, instrumento para a superação de deficiências orgânicas – justamente isso deve ser evitado. Outra questão, é que se pode dentro desta dinâmica, acabar-se, erradicar-se a prática de algumas Orgs de, no papel ter “aquela linha”, enquanto que a prática é contraditória – e ainda, elaborar documentos para ganhar quadros de outras Orgs., se conseguirmos (frente), tirar as “linhas” do papel, teremos dado um passo importante. E ao mesmo tempo, a frente possibilita a necessária estrutura para apuração de responsabilidade de atitudes políticas de “militantes” que se afastam das diversas Orgs – dando um sentido de maior responsabilidade a todos os militantes leninistas.
A colocação de que a frente não é um organismo supra organizações, mas reflexo das organizações, depreende-se da autonomia das organizações que, claro, não são obrigadas a se submeter às discussões da frente que não são tiradas por unanimidade. Não se conclui que a unanimidade das decisões seja unanimidade dentro das organizações, que tem a maioria e a minoria, e considerando-se que as posições levadas à discussão na frente sejam decisões da base, da unanimidade dos representantes conclui-se que sejam decisões da maioria de todas as organizações. Isto não é fácil de se conseguir, mas como não se busca facilidade, e sim o caminho correto – é a única forma para o aperfeiçoamento da frente e o seu consequente fortalecimento (…).
Como evitar possíveis distorções ou mal-entendidos? A frente deve tirar encaminhamentos conjuntos que desceriam às bases, informando sobre as discussões e os encaminhamentos (isto ainda não colocamos em discussão na frente), assim ficam formalizadas as posições, impedindo manobras políticas de outras organizações de fora da frente, com as suas famosas e desmoralizadas acusações.
Defendemos a tese da prioridade das ações conjuntas como questão política e que são importantes para o fortalecimento da frente e da esquerda – passo necessário para a criação de condições para uma maior aglutinação política da vanguarda.
Quando negamos à frente a qualidade de um organismo marxista-leninista capaz de exercer o centralismo democrático, não negamos que até possa decidir. Colocamos que primeiro haja um tempo de afirmação, que aquelas considerações sejam respondidas, que haja representação de bases e não apenas de direções.
Desses quatro pontos que colocamos como questão de princípio, pedimos o engajamento dos companheiros para que as bases firmem posição conforme o Comunicado n° 1 do Comando. Aguardamos outros pontos para discussão, solicitamos a devida urgência de encaminhamento.
OUTROS ENFOQUES
O intercâmbio de experiências e o aproveitamento delas, que tem sido ponto que a esquerda subestimou, (…) nos é constrangedor a ingenuidade desta subestimação.
Quando tomamos conhecimento de deturpações através de órgãos oficiais dessas organizações, fica-nos a dúvida: desinformação ou jogada das direções para manter as bases alienadas? Até que ponto vai a nossa responsabilidade pelas desinformações e onde termina e começa a jogada.
As defasagens entre as organizações tendem a diminuir e a interação entre as posições políticas possibilitará saltos diante das contradições. O estreitamento das relações numa frente possibilita o chequeio de possíveis infiltrações. Mas uma Org pode ser atingida por queda da direção, sendo então necessário não confundir a prática conjunta com uma mistura. Assim como é necessário definir responsabilidades, todas as decisões devem ser formalizadas e, nas ações conjuntas, dividir as tarefas com clareza.
Em toda análise crítica lemos sobre a imaturidade da esquerda nas definições e jogadas políticas. Pagamos um preço alto por isso, e ficam as perguntas: o que fizemos para superar? O que faremos concretamente? Qual a responsabilidade pelo novo passo? E a que preço ele será dado? Procuramos demonstrar a nossa responsabilidade pelo encaminhamento que julgamos correto para buscar a superação. No entanto, queremos fazer a ressalva que não defendemos a tese “da pureza da frente”, pois compreendemos que toda prática vem acompanhada dos resquícios da anterior. Não queremos amadurecer como um fruto abafado, mas dentro das contradições; assim, a frente não vai elaborar o produto acabado para consumo das bases, ou se transformar em foro de inócuos debates, mas num organismo de discussão concreta, propondo soluções que irão à prática por todas as organizações.
Frente também não pode ser entendida como fórmula para superação da crise ou impasse político da esquerda – mas sim como instrumento efetivo para fazer a Revolução. Ora, a consequência é que temos de estender as questões internas de participação efetiva das bases, política de formação de quadros, política de aliados e moral revolucionária à todas as Orgs da frente. Se não o fizermos, então é porque consideramos apenas para a necessidade de aperfeiçoamento, (…) quando não é isto, logo, as posições que tiremos da discussão devem ali ser colocadas, ao mesmo tempo em que solicitamos posições de outras organizações.
Muita coisa temos que fazer, muito trabalho nos espera, antecipemo-nos ou seremos ultrapassados – este assunto deve ter prioridade um nos debates – solicitamos a todos os companheiros a discussão aprofundada para que todos as condicionantes sejam analisadas em profundidade, fugindo do imediatismo.
OUSAR LUTAR, OUSAR VENCER!